As mangas caídas no chão ainda exalavam perfume quente
De uma manhã com sol e viravam brinquedo na boca dos cães.
Os sapos sussurravam uma canção de paz
Paz inquietante
Destas que irritam docilmente.
A chuva era alma lavada mas doía
Como doem os dias sem sol na cidade.
No sol, os cães são mais felizes.
A dúvida da vida dividia a sina
As idas e vindas
A metade de alguém
Que nem ela sabia quem era.
Meio seda meio pedra
Meio casa meio partida
Muito plano pouca certeza
Chovia ainda na varanda
Uma chuva fina
E uma lágrima corria.
Toda presença era ouro e também excesso.
Manuela era filha de sonho mal sonhado
Sonho em preto e branco sem passado ou futuro.
Ainda doía aquela chuva
Como dói a arte trancada
Escondida nas gavetas forradas com papel colorido.
E quando o sol saía doía também
Despercebido
Oculto na leveza dos poços de água profundos.
O mergulho era o silêncio do sol
E Poupava-a de ouvir os sapos Livres.
Uma angústia maternal gritava o filho
A criança que se fez perder buscando a felicidade
Esta felicidade de cidade de compras e contas
E contas coloridas industriais.
E planos sem o tempo da chuva Sem os sapos.
Manuela já era sem tempo
Meio vento meio nada
Tanto tormento que nem peixe parava em anzol
De tanto grito de dentro.
Já não chovia mais quando a vaca gritou de dor de leite.
Empedrava e doía. Bicho também chora sua cria com alma e peito.
Doía ser mulher
Meio mãe meio menina
Meio cama meio mundo.
Bom era só o gosto de saber que era forte.
Ela tinha uma lanterna e um canivete
Mas na lua minguante ainda era só dúvida e sonho.
Era a chuva fina Era só.
Os sapos sussurravam.
Um carro, uma bicicleta
Um encontro e um desencontro
E toda lama que secava
Era para esconder a lágrima.
Felicidade mesmo... só a dos sapos
Eles tem salto certo na vida.
Janice Pires, especialísta em gestão pública. Poetisa, bailarina e artista plástica.
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